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  • Foto do escritorArthur Maresca

São Paulo, 2013


Pego fila às 18h10 para passar pelas catracas. As pessoas já estão exasperadas, é véspera de feriado. A locutora já avisa: "Os trens da linha 3 Vermelha estão circulando com velocidade reduzida e maior tempo de parada. Agradecemos a sua compreensão". Como estão gratos pela minha compreensão, resolvo colaborar também, em vez de enfrentar o mar de pessoas após as escadas rolantes, resolvo aguardar até às 19h sentando-me no chão do mezanino que há na Estação da Sé. A seguir eu tento descrever da maneira mais fiel o que eu vivencio.

Após ler vigorosamente umas 20 páginas de "Na Pior em Paris e Londres" de George Orwell, percebo que as minhas pernas já estão formigando sobre aquele chão negro emborrachado do Metrô. Olho o celular e vejo que já está na hora de tentar encarar a multidão rumo à Zona Leste da cidade. Desço e já quase desisto, mas persisto. Nessa cidade há tantas pessoas diferentes umas das outras que eu, com minha estatura comprimida mas com altura média - 1,78m, me sinto alto e baixo ao mesmo tempo e sem exageros. São cores, formatos e adereços muito diferentes uns dos outros.

Gosto de observar todos os dias nas pessoas suas expressões. Tão lotado, ao conseguir finalmente entrar no vagão, vejo a maioria das pessoas indiferente a quaisquer empurrões, muito embora sempre há quem se assuste. Nos bancos todos dormem, de tão cansados que estão. A idosa ao meu lado que deveria estar sentada, remói e reclama do moço que está incomodando com a sua mochila grande. Uma outra mulher lhe responde: "Aqui ninguém tem consciência não, dona". Todos consentem com o silêncio. O jagunço ouve funk e olha feio com seu óculos espelhado. Por enquanto as pessoas apenas insistem nas suas feições acríticas e em suas maneiras esnobes.

Já não consigo mais um canto para me segurar dos trancos que o vagão faz, por isso simplesmente me apoio no vidro da porta. E é seguro só se apoiar para não cair, afinal, tão ensebado que está o vidro, a pele se cola à ele e assim assegura-se que seu corpo não se arrebentará em outros corpos. Percebo que meus músculos estão tensos e só de escrever isso eles já se enrijecem de novo, lembrados pelo sofrível medo de encostar, ser encostado, invadir o espaço alheio e ser invadido.

Durante o trajeto elevado do Metrô na linha vermelha, eu vejo uma cidade que pipoca prédios em meio a galpões fabris abandonados, algumas praças onde a grama ainda não foi cortada, uns viadutos pichados sobre ruas onde os "grafites gritam", uns bairros de casario baixo e outros com mais andares. Na rua, a dona de casa pensa na janta, o menino desonra suas férias e o pai faz um bico, o jovem sai do seu escritório maquinando seus problemas.

A vida é assim, dura em São Paulo. Para alguns, a vida é curta demais para morar em SP. Eu não vou discordar. Mas gosto de lembrar que o contrário também é verídico. Isso aqui é de uma vivência incrível, o aprendizado por aqui é eterno. Nunca em outro lugar você vai conseguir adquirir uma relação tão íntima com o caos. O caos é humano, o ser humano é ser caos. É quando percebe isso que você desglamouriza a Pauliceia, olha para a sua relação com a cidade e percebe que está casado com ela, enraizado nela e amante dela.

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